Meu nome é Haydée, sou mãe de dois rapazes, Ricardo, 24 anos, filho querido do meu coração, e Pedro, 19 anos, filho querido da minha barriga. Eles diferem em um único ponto, o Pedro é autista, no mais são como qualquer filho, de qualquer mãe, isto é, são simplesmente o máximo!!
Pedro nasceu autista. Quanto a isso não tenho dúvidas. Ele não chorava, não sabia chorar, ele podia se lamentar, mas aquele choro típico de bebê, esse ele nunca teve. Ele tinha enorme dificuldade para dormir, desde recém nascido, quando dormia durante o dia era um soninho rápido a tarde. A noite ele dormia pouco também. Ficava quietinho no berço. Segurá-lo no colo para fazê-lo dormir era impensável, ele ficava muito agitado. Quando saía com ele para passear no carrinho de bebê ele ficava apático, jamais mostrou interesse por alguém, ou algum pássaro, ou ruído, ou pessoa. O que não significava que ele não gostasse dessas coisas. Se alguém chegasse perto dele e falasse alguma coisa ele abria o maior sorriso! Ele adorava círculos, em bebê ele tinha paixão por uma blusa da minha mãe que tinha uns círculos brancos. Ele queria pegar, e todos achávamos muita graça. Pedro demorou, literalmente, anos para comer sozinho. A mamadeira ele só segurou depois de um ano. Não suportava nada que fosse doce, tinha náuseas. Nem pensar em dar um suco de laranja que não fosse muito bem coado, ele ficava com ânsia de vômito com aqueles gruminhos…… comida só pastosa, bem amassadinha com garfo. Jamais brincou de forma funcional com seus brinquedos. Os únicos que ele usava corretamente eram as caixas de encaixe, mas ele repetia ad nauseam essa brincadeira. E, com todas essas características, o pediatra dele, excelente médico e excelente pessoa, docente da Unicamp, achava que eu era louca quando, por acaso, insinuava que algo estava diferente com ele. Como eu trabalhava, o Pedro precisou ir para o maternal aos 11 meses. Aí, sim, a professorinha percebeu, no ato, que algo estava diferente. Foi a minha primeira reunião escolar do Pedro e , de longe, o pior quarto de hora que passei na minha vida. Bem,como algo estava diferente, fomos a luta, Cláudio ( meu marido) e eu. Uma longa jornada, desesperada, angustiante, solitária e totalmente desconhecida. Aos 18 meses ele foi diagnosticado: autista clássico. Junto com o diagnóstico veio o veredito: não há tratamento, não se sabe o que é autismo, não se sabe a causa, alguns casos evoluem bem, outros não, não há como prever. Para não dizer que nos deixaram sem nada, nos recomendaram terapias de estimulação. Que tipo, o que estimular, como estimular……ninguém sabia. Então, lá fomos nós. Só de terapia psicanalítica foram 9 anos. Fono mais uns 12 anos. Equoterapia uns 5 anos. Natação mais vários anos, até hoje ele faz natação.
Escolas são um capítulo a parte. Há 18 anos não havia qualquer legislação relativa a inclusão. As escolas que aceitavam crianças especiais faziam isso como um especial obséquio, e deixavam isso muito claro. Aos 5 anos Pedro começou a ser discrimiado na escolinha em que ele estudava desde 1 ano. Mesmo tendo uma facilitadora, paga por nós. Um belo dia eu percebi que ele estava sofrendo demais com as diferenças que faziam em relação a ele, e eu não tinha notado até então. Meu ódio só foi menor que a minha dor ao perceber o que estava acontecendo. Na mesma hora fui à escola e chutei o pau da barraca, como se diz.
Não dava para desfazer o mal feito, mas, pelo menos, eu deixei claro que eles estavam discriminando uma criança, estavam maltratando uma pessoa indefesa e posando de beneméritos. A partir daí Pedro foi para uma escola especial, da psicóloga dele e sua sócia. Era uma escola com uma linha psicanalítica. Pedro teve alguns ganhos, entre eles, sempre saliento, o treino de corte de cabelo. Foi uma grande vitória pois, até então ,cortar cabelo era uma odisséia. Aos 9 anos ele já tinha necessidades maiores e foi, então, para outra escola, voltada para pessoas com TGDs. Desde então ele se encontra no Instituto SER. Teve muitos ganhos, e, sobretudo, é aceito como um igual entre iguais. Ele adora a escola, então eu estou satisfeita, claro.
O que o nascimento, e posterior diagnóstico, do Pedro significou para nós e para nossa família é outra estória. Acredito que todos nós, pais de crianças especiais, passamos pelo mesmo processo. Mais ou menos longo, mas sempre igualmente sofrido e solitário. É necessário, antes de qualquer coisa, aceitar e entender nossos filhos, antes de poder, realmente, partilhar essa experiência que, sim, é muito enriquecedora, mas, sim, também é muito dolorosa. Até eu entender que o meu filho, aquela pessoinha redondinha, loirinha, com olhos azuis escuros erráticos, era diferente das outras crianças da família e de meus amigos, foi uma longa jornada para dentro de mim mesma. Como fui mãe tarde, 37 anos, já tinha uma certa maturidade e conhecimento de mim mesma que me possibilitaram fazer essa travessia com o mínimo de danos. Mas danos sempre acontecem. Felizmente essa situação tão difícil acabou por aproximar mais ainda nossa família. Tanto eu e meu marido, quanto nós e o Ric. Todos temos sequelas dessa fase, é inerente ao processo. Lembro-me dos momentos de desesperado sofrimento, noites tenebrosas, de choro silencioso no banheiro para não acordar o resto da família, a necessidade de manter uma cara e uma postura serenas frente aos amigos e familiares para não causar sofrimento a eles, quando a vontade é de pedir o colo da mãe…… quem não passou por isso, quando se tem um filho especial? Mas nós sobrevivemos , e somos heróis por isso? Não, por certo que não. Mas somos pessoas melhores do que éramos. Mais fortes, por que nos conhecemos bem e sabemos o quanto podemos aguentar. Mais tolerantes, por que já passamos por poucas e boas e sabemos que as coisas podem, sim, acontecer à nossa revelia e não nos cabe julgar ninguém. Mais amorosos, pois aprendemos a amar sem qualquer expectativa de retribuição. Mais solidários, pois os outros, as vezes desconhecidos, nos ajudaram quando não víamos mais um caminho, e aprendemos que não estamos sós, e que temos a obrigação de olhar ao nosso redor com simpatia e interesse sinceros. Nem por isso somos santos e, as vezes, confesso, tenho uma vontade enorme de pegar os meus dois tesouros e colocar em uma gaveta bem fechada……… e respirar um pouco sozinha, sem ninguém para achar que tem direitos sobre mim . Esses sentimentos passam, e, o mais importante (que a vida me ensinou e que a idade me permitiu afirmar em alto e bom som) não tenho qualquer sensação de culpa ou de inadequação por causa disso!!
Outra coisa que aprendi, a duras penas, é que a natureza tem seu proprio ritmo. Quando nossos filhos são pequenos temos um sentimento de urgência, do tempo passando, do é hoje ou nunca……isso cansa e causa muito desgaste. As decisões importantes devem ser tomadas depois de uma longa ponderação, assim como as ações importantes devem ser efetuadas com calma e conhecimento. Mais vale esperar um mês e descansar, do que fazer por fazer, por que sim e pronto. As coisas não funcionam bem dessa maneira. Precisamos escutar a nós mesmas. Quando estivermos em condições as coisas acontecerão facilmente, ou menos dificilmente. E esse será o tempo certo, não antes, nem depois.
Bem, acho que é isso. Estamos, ainda, em marcha com o Pedrão. Pensando agora em sua vida de adolescente, passeios em bares, baladas, festas. E, sobretudo, planejando o amanhã, pois não somos eternos e, pela ordem natural das coisas, os pais antecedem aos filhos na morte, e os irmãos devem se apoiar, mas nunca um peso na vida do outro. Asim, estamos, nessa fase da jornada, pensando no amanhã do Pedro e do Ric. Depois posso até contar como estamos nos saindo
Por Haydeé Jacques - e-mail: haydeejacques@yahoo.com
Pedro nasceu autista. Quanto a isso não tenho dúvidas. Ele não chorava, não sabia chorar, ele podia se lamentar, mas aquele choro típico de bebê, esse ele nunca teve. Ele tinha enorme dificuldade para dormir, desde recém nascido, quando dormia durante o dia era um soninho rápido a tarde. A noite ele dormia pouco também. Ficava quietinho no berço. Segurá-lo no colo para fazê-lo dormir era impensável, ele ficava muito agitado. Quando saía com ele para passear no carrinho de bebê ele ficava apático, jamais mostrou interesse por alguém, ou algum pássaro, ou ruído, ou pessoa. O que não significava que ele não gostasse dessas coisas. Se alguém chegasse perto dele e falasse alguma coisa ele abria o maior sorriso! Ele adorava círculos, em bebê ele tinha paixão por uma blusa da minha mãe que tinha uns círculos brancos. Ele queria pegar, e todos achávamos muita graça. Pedro demorou, literalmente, anos para comer sozinho. A mamadeira ele só segurou depois de um ano. Não suportava nada que fosse doce, tinha náuseas. Nem pensar em dar um suco de laranja que não fosse muito bem coado, ele ficava com ânsia de vômito com aqueles gruminhos…… comida só pastosa, bem amassadinha com garfo. Jamais brincou de forma funcional com seus brinquedos. Os únicos que ele usava corretamente eram as caixas de encaixe, mas ele repetia ad nauseam essa brincadeira. E, com todas essas características, o pediatra dele, excelente médico e excelente pessoa, docente da Unicamp, achava que eu era louca quando, por acaso, insinuava que algo estava diferente com ele. Como eu trabalhava, o Pedro precisou ir para o maternal aos 11 meses. Aí, sim, a professorinha percebeu, no ato, que algo estava diferente. Foi a minha primeira reunião escolar do Pedro e , de longe, o pior quarto de hora que passei na minha vida. Bem,como algo estava diferente, fomos a luta, Cláudio ( meu marido) e eu. Uma longa jornada, desesperada, angustiante, solitária e totalmente desconhecida. Aos 18 meses ele foi diagnosticado: autista clássico. Junto com o diagnóstico veio o veredito: não há tratamento, não se sabe o que é autismo, não se sabe a causa, alguns casos evoluem bem, outros não, não há como prever. Para não dizer que nos deixaram sem nada, nos recomendaram terapias de estimulação. Que tipo, o que estimular, como estimular……ninguém sabia. Então, lá fomos nós. Só de terapia psicanalítica foram 9 anos. Fono mais uns 12 anos. Equoterapia uns 5 anos. Natação mais vários anos, até hoje ele faz natação.
Escolas são um capítulo a parte. Há 18 anos não havia qualquer legislação relativa a inclusão. As escolas que aceitavam crianças especiais faziam isso como um especial obséquio, e deixavam isso muito claro. Aos 5 anos Pedro começou a ser discrimiado na escolinha em que ele estudava desde 1 ano. Mesmo tendo uma facilitadora, paga por nós. Um belo dia eu percebi que ele estava sofrendo demais com as diferenças que faziam em relação a ele, e eu não tinha notado até então. Meu ódio só foi menor que a minha dor ao perceber o que estava acontecendo. Na mesma hora fui à escola e chutei o pau da barraca, como se diz.
Não dava para desfazer o mal feito, mas, pelo menos, eu deixei claro que eles estavam discriminando uma criança, estavam maltratando uma pessoa indefesa e posando de beneméritos. A partir daí Pedro foi para uma escola especial, da psicóloga dele e sua sócia. Era uma escola com uma linha psicanalítica. Pedro teve alguns ganhos, entre eles, sempre saliento, o treino de corte de cabelo. Foi uma grande vitória pois, até então ,cortar cabelo era uma odisséia. Aos 9 anos ele já tinha necessidades maiores e foi, então, para outra escola, voltada para pessoas com TGDs. Desde então ele se encontra no Instituto SER. Teve muitos ganhos, e, sobretudo, é aceito como um igual entre iguais. Ele adora a escola, então eu estou satisfeita, claro.
O que o nascimento, e posterior diagnóstico, do Pedro significou para nós e para nossa família é outra estória. Acredito que todos nós, pais de crianças especiais, passamos pelo mesmo processo. Mais ou menos longo, mas sempre igualmente sofrido e solitário. É necessário, antes de qualquer coisa, aceitar e entender nossos filhos, antes de poder, realmente, partilhar essa experiência que, sim, é muito enriquecedora, mas, sim, também é muito dolorosa. Até eu entender que o meu filho, aquela pessoinha redondinha, loirinha, com olhos azuis escuros erráticos, era diferente das outras crianças da família e de meus amigos, foi uma longa jornada para dentro de mim mesma. Como fui mãe tarde, 37 anos, já tinha uma certa maturidade e conhecimento de mim mesma que me possibilitaram fazer essa travessia com o mínimo de danos. Mas danos sempre acontecem. Felizmente essa situação tão difícil acabou por aproximar mais ainda nossa família. Tanto eu e meu marido, quanto nós e o Ric. Todos temos sequelas dessa fase, é inerente ao processo. Lembro-me dos momentos de desesperado sofrimento, noites tenebrosas, de choro silencioso no banheiro para não acordar o resto da família, a necessidade de manter uma cara e uma postura serenas frente aos amigos e familiares para não causar sofrimento a eles, quando a vontade é de pedir o colo da mãe…… quem não passou por isso, quando se tem um filho especial? Mas nós sobrevivemos , e somos heróis por isso? Não, por certo que não. Mas somos pessoas melhores do que éramos. Mais fortes, por que nos conhecemos bem e sabemos o quanto podemos aguentar. Mais tolerantes, por que já passamos por poucas e boas e sabemos que as coisas podem, sim, acontecer à nossa revelia e não nos cabe julgar ninguém. Mais amorosos, pois aprendemos a amar sem qualquer expectativa de retribuição. Mais solidários, pois os outros, as vezes desconhecidos, nos ajudaram quando não víamos mais um caminho, e aprendemos que não estamos sós, e que temos a obrigação de olhar ao nosso redor com simpatia e interesse sinceros. Nem por isso somos santos e, as vezes, confesso, tenho uma vontade enorme de pegar os meus dois tesouros e colocar em uma gaveta bem fechada……… e respirar um pouco sozinha, sem ninguém para achar que tem direitos sobre mim . Esses sentimentos passam, e, o mais importante (que a vida me ensinou e que a idade me permitiu afirmar em alto e bom som) não tenho qualquer sensação de culpa ou de inadequação por causa disso!!
Outra coisa que aprendi, a duras penas, é que a natureza tem seu proprio ritmo. Quando nossos filhos são pequenos temos um sentimento de urgência, do tempo passando, do é hoje ou nunca……isso cansa e causa muito desgaste. As decisões importantes devem ser tomadas depois de uma longa ponderação, assim como as ações importantes devem ser efetuadas com calma e conhecimento. Mais vale esperar um mês e descansar, do que fazer por fazer, por que sim e pronto. As coisas não funcionam bem dessa maneira. Precisamos escutar a nós mesmas. Quando estivermos em condições as coisas acontecerão facilmente, ou menos dificilmente. E esse será o tempo certo, não antes, nem depois.
Bem, acho que é isso. Estamos, ainda, em marcha com o Pedrão. Pensando agora em sua vida de adolescente, passeios em bares, baladas, festas. E, sobretudo, planejando o amanhã, pois não somos eternos e, pela ordem natural das coisas, os pais antecedem aos filhos na morte, e os irmãos devem se apoiar, mas nunca um peso na vida do outro. Asim, estamos, nessa fase da jornada, pensando no amanhã do Pedro e do Ric. Depois posso até contar como estamos nos saindo
Por Haydeé Jacques - e-mail: haydeejacques@yahoo.com
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