Thursday, April 12, 2012

Besteiras que se propagam sobre autismo

Infelizmente, muita desinformação é propagada em relação ao autismo, suas causas e tratamentos como pode-se ler no post da Folha:

Muitos familiares foram contra o post e rebatidos com um certo desrrespeito: A autora cita a consequencia como causa! Algumas crianças com autismo se fixam na tv justamente pela inabildade social, e não ficam inábeis pq assistem tv! Quando pararem de usar os sintomas como "regras" para ser autista e de fato colocar todos os enforços no q causa esses sintomas, teremos tratamento mais digno às nossas crianças."


Muitos comentários entraram no blog, porém eu gostaria de destacar aqui o comentário da
Cyntia Mesquita Beltrão, psicóloga clínica e mãe e do jornalista e pai Paiva Júnior:

Eu era psicanalista até ter um filho autista. Foi aí que eu conheci a face anacrônica, retrógrada, proselitista e principalmente mercantilista da Psicanálise.

É uma pena, porque eu duvido que meu querido Sigmund concordasse com o que virou seu construto teórico. Lá no Projeto para uma Psicologia Científica, nos Três Ensaios e em Análise Terminável e Interminável ele já dizia que esperava que muito de sua proposta fosse rechaçada pelo progresso científico. Novas descobertas no campo na neurologia provavelmente iriam de encontro ao que ele postulava e para ele isso era natural. Ora, Freud era neurologista de formação! Ele dizia que a teoria era similar a um andaime que deveria ser retirado quando a construção já tivesse bases mais sólidas. Infelizmente os psicanalistas pararam com o progresso, arvoraram-se na teoria já pronta (Lacan, que o diga, com seu retorno a Freud) e hoje vivem uma ridícula situação de estudar os andaimes como se fossem obras primas de arquitetura!

A lógica que rege a produção intelectual atual da Psicanálise é circular. Psicanalistas escrevem e falam para psicanalistas, formam e analisam novos psicanalistas e depois basicamente vivem de orientar e analisar esses asseclas que os defenderão com unhas e dentes porque simplesmente não conhecem qualquer outra forma de produção de saber. Sob a supervisão dos seus ídolos continuarão a repetir que a Psicanálise "não é testável" e portanto não tem que prestar contas de seus resultados, mesmo sendo a orientação teórica mais utilizada dentro dos serviços públicos de saúde no Brasil. Também se recusarão a estudar e conhecer outras práticas e teorias com a desculpa de que estas são reducionistas, biologicistas e mecanicistas. E essa lenga lenga será reproduzida sem questionamento em jornadas, seminários e periódicos psicanalíticos por todo o Brasil, Argentina e França, que são basicamente os países que ainda dão algum subsídio para a Psicanálise.

Mas na França a batata da Psicanálise já começou a assar. Depois da censura contra o documentário O Muro (censura criticada pelos próprios Repórteres sem Fronteiras)



que denunciou o tratamento deficitário dado aos autistas franceses por instituições e profissionais de orientação psicanalítica, temos agora a resolução do HAS (que seria traduzido como Autoridade Máxima em Saúde francesa) que recomenda técnicas comportamentais e educacionais para o tratamento do autismo, em detrimento da Psicanálise:




Os vários grupos de pais e amigos dos autistas comemoram, já que na França a taxa de inclusão de autistas na escola é de apenas 20% contra 60% na Suécia e outros países. Pais de autistas saem da França para buscar tratamento na Bélgica, por considerarem deficitário o sistema francês:



No Brasil ainda temos uma influência enorme da Psicanálise nos serviços de saúde públicos e nos consultórios particulares, com consequências desastrosas para os nossos autistas. Psicanalistas dizem que trabalham visando a estimulação precoce mas a sua proposta de "deixar falar o sujeito do inconsciente" atrasa as intervenções em meses ou anos por vezes. Seu modelo de intervenção é baseado na interpretação do que esse "sujeito do inconsciente" tenta exprimir, ao seu próprio tempo e do seu próprio jeito. Seria uma bela proposta se não se traduzisse em atraso, desestímulo e finalmente em indivíduos pouco funcionais, dependentes e com problemas de comunicação. O pouco que se caminha com esses autistas se deve mais à equipe multidisciplinar (fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e pedagogos) que felizmente ocupa o vácuo deixado pelo trabalho psicanalítico.

Em Belo Horizonte essa dominância da Psicanálise ainda teve o efeito colateral de atrasar a aprovação de uma lei que beneficiaria o autista com o estatuto de deficiente, facilitando o acesso à inclusão social através de passe livre nos ônibus, tratamento diferenciado em postos de saúde e hospitais, além de prever a criação de centros de tratamento ambulatoriais específicos para os autistas, que hoje em dia perambulam pelos CERSAMs e Centros Psiquiátricos infantis que são totalmente despreparados para recebê-los. Foi a Psicanálise que orientou o veto do prefeito. Felizmente o trabalho de pais e profissionais incansáveis e que sabem o que é um autista grave no cotidiano de uma família conseguiram derrubar o veto. Trabalhamos agora pra ver a lei totalmente implementada.

Eu realmente tentei ficar longe dessa discussão mas não pude me abster depois de ver as respostas evasivas e por vezes agressivas das representantes da Psicanálise diante das críticas das mães que se posicionaram aqui. Essas mães são leitoras vorazes e disciplinadas, mas são leigas. Achei deselegante mandá-las "ler Lacan" para poder criticar a Psicanálise. Ora, elas não precisam ler Lacan, ou Melanie Klein ou qualquer outro para saber quando seus filhos não estão sendo devidamente assistidos por um terapeuta. E agora, com o acesso ilimitado à informação promovido pela internet, vai ser difícil impedir a troca de experiências entre essas pessoas.

Essas mães se colocaram na defensiva? Atacaram porque "a defesa é o melhor ataque"? Ora, não será porque foram atacadas em primeiro lugar? E não me venham dizer que "nós não culpamos as mães". Falar que o autismo tem causas multifatoriais e que uma delas é "psicossocial" é eufemismo para mãe geladeira e essas mães aqui sabem ler nas entrelinhas. Afinal, ao contrário do que diz a psicanalista que aparece no documentário censurado (creio que foi a Esthela Solano-Suarez) nós não somos mães-crocodilo. No Brasil somos mães-onça mesmo e não somos tolas. E de geladeira só se for Brastemp.



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Cyntia Mesquita Beltrão
Psicóloga Clínica

"Luciana, parabéns pelas informações importantes que você postou nos outros textos e também no pequeno podcast a respeito de autismo. Não são informações com nenhuma novidade, mas é sempre bom propagar algo correto sobre autismo.

Para este texto, porém, tenho críticas e sugestões. Informações como essas que você publicou, da Thereza França, (portanto deve concordar com ela) podem confundir muitas pessoas e sugiro que esclareça melhor a ideia, pois já temos escassez de informação a respeito de autismo — e, se o que tivermos for confuso, pode muitas vezes ser pior que calar-se.

Dizer que “o recolhimento autístico pode ser entendido como uma proteção extrema que a criança lança mão diante de angústias insuportáveis para seu psiquismo ainda precário”, citando “variáveis ambientais” como “exposição excessiva a TV e/ou computador em detrimento do contato humano afetivo” é, no mínimo, passível de melhor análise e atualização.

Muitas pesquisas pelo mundo vêm descobrindo possíveis causas genéticas (estou falando de epigenética, não aquela simples, da hereditariedade que aprendemos nos ensinos fundamental e médio), a mais contundente sendo a do neurocientista brasileiro Alysson Muotri, na Universidade de San Diego, na Califórnia (EUA), publicada na capa da renomada revista “Cell”, em que conseguiu “curar” um neurônio “autista” em laboratório (se tiver curiosidade pelo assunto, leia minha entrevista exclusiva com Muotri emhttp://RevistaAutismo.com.br/muotri2010). Porém, o mais importante no meu argumento é o que o neurocientista percebeu de diferente morfologicamente entre os neurônios de autistas e o de pessoas com desenvolvimento típico (normais): seus núcleos eram menores, havia menos ramificações e faziam menos sinapses. Se essa informação da Thereza França, que faz referência à Psicanálise, estivesse correta, teríamos que admitir que essas variáveis ambientais, como exposição excessiva à TV causaria uma mudança morfológica nos neurônios. “Acredito que a mídia (principalmente a TV) tenha grande influência em nossa mente, mas não o bastante para tal.” Agora sem trocadilhos, não faz sentido para mim sua informação. Pois esta pesquisa que citei prova, contundentemente, o contrário. Não é possível nem sugerir ou dar entender uma relação causalidade para tal.
É impossível, a quem sabe um pouco acerca de autismo, não fazer uma correlação entre a informação que você publicou aqui e o exaustivamente condenado conceito de “mãe geladeira”, de décadas atrás. A pesquisa de Muotri só jogou uma pá de cal nessa teoria (veja o próprio neurocientista dizendo isso no Jornal Nacional, em http://www.youtube.com/watch?v=EwMub68EUDk). E desse ponto de vista, seu texto pode tornar-se um desserviço a muitas pessoas, por isso sugiro uma reflexão maior e mais atenta a respeito do assunto, se possível, até mesmo um novo post. Sugiro mais, vá conviver um tempo com alguém que tenha autismo, com famílias afetadas pela síndrome, conheça suas histórias, e depois volte a fazer um texto. Tenho certeza que você, com a inteligência que demonstra ter, repensará seus conceitos e escreverá algo, a respeito de autismo, avesso às teorias de Lacan e companhia."

Paiva Junior

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