As pessoas com autismo não são diferentes de nós, só são seres humanos que vivem a vida em um estado perpétuo de confusão.
O termo autismo é de difícil definição porque a síndrome é complexa e não há duas pessoas com o diagnóstico de autismo que experienciem a síndrome da mesma maneira.
Com isso, as pessoas com autismo representam um grupo heterogêneo, assim como a humanidade pode ser. Suas características ou demonstrações podem variar num extremo que confunde e, algumas vezes é até contrário. As pessoas com autismo podem ou não sofrer de outras síndromes e problemas paralelos ou coligados ao autismo.
Dentro de uma mesma família podemos encontrar dois autistas, um que não é capaz de vocalizar e o irmão que fala compulsivamente e com um vocabulário sofisticado.
Algumas pessoas com autismo gostam de toque e se aconchegam num abraço, enquanto outras podem perceber o toque como algo doloroso.
Podemos encontrar autistas com resultados de testes de QI a níveis de genialidade ou com níveis de profundo retardo mental, e a grande maioria entre os dois.
Em alguns casos os autistas buscam desesperadamente por interações sociais, mesmo que de maneira desajeitada, e outros precisam de tempo e espaço sozinhos.
Também há autistas que se tornam famosos por sua habilidade de acertar com facilidade cestas de basquete na marca de 3 pontos e outros que não conseguem segurar ou arremessar uma bola.
Alguns são tão desorganizados que seus comportamentos parecem não ter nenhum propósito, enquanto outros são tão rígidos às suas rotinas e rituais que torna o convívio altamente estressante.
Alguns podem passar horas em comportamentos auto-estimulatórios, enquanto outros podem não apresentar esta característica como perceptível.
No livro “You’re going to love this kid!” (p. 2 e 3) autora Paula Kluth foi buscar com os que ela chama de especialistas, pessoas com autismo, algumas definições para a síndrome:
"Autismo não é algo que a pessoa tem, ou uma “concha” que a pessoa está presa dentro. Não há uma criança normal escondida atrás do autismo. Autismo é uma maneira de ser. É penetrante: dá o tom de cada experiência, cada sensação, percepção, pensamento, emoção e encontro, em todos os aspectos da existência. Não é possível separar o autismo da pessoa – e se fosse possível, a pessoa que restaria não seria a mesma pessoa do início." (Sinclair, 1993,p.1)
"Nós vivemos em um País onde imagem é um tipo de realidade mais real que a realidade. Minha principal resposta para isso é: Eu não preciso de uma cirurgia para me fazer real mais do que uma linda mulher “realmente” precisa de seus cílios arredondados. O fato que eu acho que sim (que preciso de uma cirurgia para me fazer real) e ela também (achar que precisa de cílios arredondados para ser linda) é mais fantasioso do que real. A ânsia para ser como os outros não fez de Pinóquio real – o transformou num jumento! E a ânsia dos pais para curar o autismo, ou atraso ou compulsividade não irá levá-los muito longe na solução do problema atual. Porque a pessoa que acredita “Eu serei real quando for normal” , sempre será quase uma pessoa, mas jamais chegará lá." (Marcus, 1998,p.2)
Isto não quer dizer que todas as pessoas com autismo tem suas experiências positivas em relação à síndrome, na verdade muitas pessoas com autismo descrevem que a síndrome lhes traz muitas dificuldades e pode ser muito doloroso em vários momentos, mas o alerta é que se deve respeitar sempre o ser humano acima de qualquer rótulo.
As pessoas com autismo podem sofrer ou não de outros distúrbios de ordem médica, neurológica ou psicológica e estes distúrbios devem ser tratados paralelamente ao autismo e não como o autismo em si. Para isso, é necessário um time multidisciplinar com a mente aberta a possibilidades fora de sua área de competência.
O autismo foi primeiramente descrito pelo psiquiatra Leo Kanner em 1943, ele escolheu o termo autismo para descrever um grupo de 11 crianças que apresentavam características relativamente parecidas porém distintas das crianças que possuíam o diagnóstico de esquizofrenia ou psicose infantil, o déficit social foi a principal característica que ressaltava nesse grupo. Etimologicamente, autismo vem do termo grego “auto” referindo a “si próprio”. Autismo é reconhecido como uma desordem em espectro e também com vários graus de intensidade. Os comportamentos autísticos tipicamente aparecem antes do 3 anos de idade, mas é comum que as crianças sejam diagnosticadas somente após os 4 anos e se diagnosticadas. É quatro vezes mais predominante em meninos do que em meninas.
Apesar de não ser uma síndrome de ordem médica ou psiquiátrica, no sentido em que há alguma falha notória em algum órgão, segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition – Text Revision (DSM-IV-TR) (American Psychological Association, 2000), pessoas com autismo tem “atraso ou funcionamento anormal” em pelo menos uma das tês seguintes áreas:
• Interação social
• Comunicação
• Padrões de comportamento (interesses ou atividades estereotipadas, restritas e/ou repetitivas)
A Síndrome de Asperger é o rótulo dado a pessoas que tem características do espectro autista que tipicamente tem diferenças que marcam uma “dis-ordem” e não um atraso na comunicação, dificuldades com mudanças de rotina e transições de atividades ou lugares, resistência ao inesperado e tem interesses em áreas específicas de maneira intensa. Estas pessoas, muitas vezes apresentam uma memória excelente (visual, datas, fatos). Pessoas com Síndrome de Asperger podem passar a vida sem diagnóstico e serem vistos como esquisitos ou excêntricos.
Alguns testes podem ser aplicados para uma predefinição do diagnóstico, mas sua confirmação é clínica, isso quer dizer que fica a cargo da observação e julgamento de um profissional da área médica. De qualquer forma o uso dos resultados dos testes deve ser cauteloso por que a pessoa testada pode não responder às questões, mas isso não quer dizer que não tenha a inteligência e o conhecimento da resposta, além disso, os testes são geralmente administrados por profissionais que não conhecem a criança e com isso não conhecem o tipo de habilidade que ele/ela usará para comunicar-se e muito menos as suas necessidades para sentir-se confortável com o próprio corpo e assim demonstrar sua inteligência.
Muito se especula sobre aonde a criança está no espectro autista, no livro de Beth Fouse, Ph.D e Maria Wheeler, M. Ed., “A Treasure Chest of Behavioral Strategies for Individuals with Autism”, (p. 4) encontra-se um quadro sobre os comportamentos que podem ser observados e assim divide os comportamentos apresentados no espectro autista em três categorias, mais severo, moderado e menos severo:
Mais severo:
Birras intensas de temperamento
Não-verbal
Gritos estridentes
Retirado, solitário
Disfunção sensorial severa
Comportamentos agressivos
Moderado:
Ignora comandos
Ecolalia
Ruídos estranhos
Observa outras pessoas
Disfunção sensorial moderada
Escapa
Menos severo:
Problemas de linguagem
Verbal
Risadinhas, remexer-se e tensão muscular
Interage com outras pessoas
Disfunção sensorial leve
Ataques de pânico
Estes comportamentos marcam a severidade com que o autismo impacta a vida da pessoa, a criança pode ter comportamentos nas três colunas, de qualquer forma a severidade será avaliada na coluna que ela apresenta mais comportamentos somente para análise comportamental, isso também não é um fator determinante num prognóstico.
É importante ressaltar que o diagnóstico de Autismo, Asperger ou Transtorno Invasivo do Desenvolvimento não predita as dificuldades que a pessoa enfrentará na vida e tampouco define um prognóstico e nem mesmo fornece aos familiares ou profissionais muita informação sobre o potencial individual da pessoa com o diagnóstico.
Paula Kluth, ainda no livro “You’re going to Love This kid!”, alerta que as definições sobre autismo parecem somente descrever a opinião de alguém “de fora” e pior que isso, essas definições só focam nos déficits. Quando lemos a maioria das definições sobre autismo só somos informados do que a pessoa não pode fazer, ou do que ela não é capaz, há raras menções sobre suas habilidades e pontos fortes. Esse tipo de definição pode causar problemas, Leary e Hill (1996) apontam que a linguagem usada nas definições são cheias de pressupostos que podem estar incorretos e ainda serem prejudiciais. Os comportamentos são muitas vezes descritos como “preferem”, “falha em” ou “interesse incomum” sem especificar nenhum sintoma que possa ser a causa destes comportamentos. Outra questão levantada por Leary e Hill é que como o observador pode saber se a criança “prefere” brincar sozinha ou se na verdade ela prefere brincar com sua irmã mas está brincando sozinha porque o cheiro da colônia que a irmã está usando incomoda o seu sistema sensorial. Ou talvez, a criança autista brinca sozinha porque ela não sabe como entrar na brincadeira das outras crianças.
Dawn Prince-Huges em seu livro auto-biográfico “Songs of the Gorilla Nation” confirma que as características descritas pelo DSM-IV são descrições de mecanismos de defesa, não de orientação inata. As pessoas com Asperger parecem não querer se relacionar, mas não é sempre um problema de falta de desejo, mas de conforto. Por exemplo, eles precisam sentir-se bem com seus corpos e confortáveis com as pessoas que eles tenham interesse em conhecer. Ela relembra que no passado não conseguia se relacionar com as pessoas porque se sentia desconfortável com o próprio corpo.
Ainda no livro “A Treasure Chest of Behavioral Strategies for Individuals with Autism”, Beth Fouse e Maria Wheeler é alertado que muitas vezes temos que fazer o papel de detetives para poder decifrar o que os comportamentos representam. Porém é importante lembrar que nós não sentimos ou percebemos o mundo da mesma maneira que as pessoas com autismo ou diagnósticos relacionados, é preciso ter a mente aberta e ater-se aos fatos, sendo um bom observador do ambiente.
A opinião de Steven Gutstein, criador do RDI é que o autismo não pode ser diagnosticado pela presença de algum comportamento. O que mais marca na característica autista não são os comportamentos apresentados, mas sim a omissão, o que a criança não faz ou desconhece. O diagnóstico de autismo é mais preciso se baseado na dificuldade ou falha da pessoa em função do domínio específico sóciocomunicativo e afetivo.
Não há dúvidas que muitas pessoas com autismo e outros distúrbios relacionados precisam de tratamentos que os ajudem a ser o que são e não o que nós, como sociedade, impomos às pessoas. Mas, o que há de mais urgente é que a sociedade aprenda a respeitar as pessoas com comportamentos diferentes dos nossos padrões e a ver o diagnóstico de autismo como um sinal de que devemos ser mais tolerantes, mais amáveis, menos apressados e carregar esta lição ao trato com os neuro típicos também.
Pessoas com o diagnóstico de Síndrome de Rett, Williams, Frágil X e Laundau-Kleffner tem algumas características em comum com as pessoas com autismo e por isso podem se beneficiar das mesmas estratégias estudadas para os autistas.
“Todas as crianças, incluindo as com autismo ou qualquer forma de transtorno invasivo do desenvolvimento, nascem com uma forte inclinação em aprender com um membro mais experiente da sua cultura. Isto é da natureza humana. Porém esta capacidade foi oprimida em algum ponto do seu desenvolvimento, eu acredito que se nós cuidadosamente construirmos caminhos para eles, a maioria das crianças irão aprender a ser aprendizes e irão participar de uma relação guiada.” – Steven Gutstein, Ph.D. – The RDI Book.
Bibliografia:
Fouse, B; Wheeler M (1997) - A Treasure Chest of Behavioral Strategies for Individuals with Autism
Gutstein, S E (2009) – The RDI Book – Forging New Pathways for Autism, Asperger’s and PDD with the Relationship Development Intervention Program
Kluth, P (2009) – “You’re Going to Love This Kid!” – Teaching Students with Autism in the Inclusive Classroom
Nikopoulos, C; Keenan M (2006) – Video Modelling and Behaviour Analysis – A Guide for Teaching Social Skills to Children with Autism
Prince-Huges, D (2004) - “Songs of the Gorilla Nation” My Journey Through Autism
Obrigada pela visita, maravilhosos textos!!!!!!!
ReplyDeleteEscreva mais sobre aquilo que vc comentou no meu blog, fiquei bem curiosa!
Abração!
Ola Marie! Meu nome é Valéria e tenho um filho de 2 anos e 3 meses , ele esta sob suspeita de autismo , o neuro pediu que ele realizasse o exame Bera e a ressonância magnética que por sinal ele já vez e não acusou em nada , terei que voltar no neuro dia 15/5 para levar os exames . Minha pergunta é o seguinte.
ReplyDeleteO Neuro pediu que eu pedisse na escolinha onde ele fica uma carta que eles dê detalhes do desenvolvimento dele , porém a Dona da escola diz que ele pede as coisas , que ele interage com as crianças , coisas que ele nunca fez aqui em casa e tenho quase certeza que ela esta mentindo . Pois quando vou lá não vejo nada disso , só vejo o mesmo menino de sempre isolado , brincando sozinho.O que fazer neste caso? . E isso não pode prejudicar na hora que for dar o diagnóstico do meu filho caso ela esteja ocultando informações que possa ser importante para o médico ? Aguardo resposta.
Vc tem duas opções, ou não entrega o relatório da escola para o neuro se vc discorda do que está escrito nele, ou entrega e diz discorda pq já foi à escola e não viu esses comportamentos no seu filho. Seria interessante avaliar se não é o caso de buscar outra escola pq a confiança mútua é primordial nessa relação.
DeleteOla Marie! Já pensei muito em trocar de escola , só não troquei ainda porque estava esperando o diagnóstico , mais vou seguir seus conselhos , porque sinceramente não consigo confiar na escola onde ele esta. Tem muitas escolas que ocultam estas informações , pois se dizer a verdade eles temem que acabamos retirando da escola e isso com certeza será um grande prejuízo para eles . Mais muito obrigado! =)
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