Monday, July 12, 2010

Nossa trajetória - Por Marie Dorión


Nós mudamos para os EUA quando o Pedro estava com 2 anos recém completos. Eu já tinha a preocupação com o atraso no desenvolvimento da fala, até então ele só dizia mama, Lola (o nome da cachorrinha) e tchau! mas minhas preocupações eram retrucadas com explicações na época muito coerentes, afinal o Pedro já estava exposto a mais de um idioma, tinha o nascimento recente do irmão e toda a movimentação da mudança que começou quatro meses antes, que foi o dia seguinte da volta da maternidade com o Lú, ou seja, a partir de 1 ano e 8 meses o Pedro passou por várias mudanças na vida.


Segundo o pediatra, renomado, livros publicados, caro e etc. o Pedro não falava porque eu o mimava .... que eu deveria deixá-lo sem água e comida até ele pedir e o pediatra garantiu que assim sendo, o Pedro falaria em menos de 3 dias. Coração de mãe retrucou em silêncio: “pois então que ele nunca fale” porque eu seria e ainda sou incapaz de deixá-lo com fome e sede.


Virando a página, lá estavamos nós em meio à todas as adaptações na nova casa, que ficava na nova cidade, no outro País com outro idioma e cultura, porém com os dois pequenos que precisavam dos mesmos cuidados.

Aos quize dias de vida nova, levei o Luís ao pediatra para vacinação e consulta mensal com o Pedro a tira-colo, essa foi minha primeira experiência com pediatra nos EUA, ele examinou o Luís e constatou que ele estava muito bem, porém antes de terminar a consulta fez algumas perguntas em relação ao Pedro, se ele movia o corpo (rocking), se balançava as mãos (flapping), e se ele falava. Todas as respostas foram negativas e assim ele encaminhou o Pedro para uma avaliação multidisciplinar com suspeita de autismo.

Autismo!!! O que é isso? Como assim? Esse médico está louco! Foram as primeiras reações que vieram à mente.

Passamos dois meses agoniantes, sem comentar com a família e em meio a exames e avaliações. Exame de Frágil X, intoxicação por chumbo, auditivo, tudo normal, e nós pensavamos : “Ta aí, o Pedro não tem nada, deu tudo normal”, mas o resultado da avaliação multidisciplinar confirmou autismo. Era dia 18 de dezembro, a temperatura era abaixo de 25 graus Celsius, o Céu mais cinza que alguém pode imaginar. O relatório foi lido e em áreas como comunicação o Pedro tinha desenvolvimento equivalente a 9 meses, mas não era só isso, o Pedro tinha atraso em todas as áreas do desenvolvimento, usava as pessoas como instrumento, eu me lembro de como feriu ouvir isso... Com esta sentença, fomos para casa.

Quanto mais eu lia na internet sobre autismo, mais eu tinha certeza de que o que estávamos vivendo não passava de um engano. Entramos em contato com a família e amigos no Brasil e a opinião era unanime, o Pedro estava bem e no máximo era um trauma da mudança, o pediatra brasileiro nos garantiu que o Pedro não era autista, ele reconheceria facilmente e se o Pedro fosse autista ele rasgaria seu diploma (eu ainda estou devendo essa visitinha).

Mas o tempo foi passando e em março de 2006 passamos o Pedro numa avaliação pela UW em Tacoma, o diagnóstico nos foi confirmado e nos explicaram mais sobre os sintomas que deveriam ser observados, as doutoras que atenderam nosso caso foram além e me deram 3 sessões de o que fazer para ajudar o Pedro enquanto aguardávamos na fila de espera por uma consultora que poderia demorar de 8 meses a 1 ano e meio. Aqui fui apresentada ao ABA (Applied Behavior Analysis).

Eu senti como se tivesse engolido um porco-espinho, após três dias de “luto” enxuguei as lágrimas e parti para reformular o dia a dia com a finalidade de ajudar no desenvolvimento do Pedro. Comecei uma maratona atrás de informações, aprendi inglês lendo livros sobre autismo e enquanto lia sugiam preocupações em relaçao ao meu bebê Luís. Muitas das características não pareciam se encaixar com o Pedro, mas o Luís era tal qual.

O Pedro iniciou no programa de Intervenção Precoce que só mais tarde eu vim a saber que os profissionais que o atendiam em minha cidade não tinham ideia do que fazer e estavam só a matar tempo.

Fui encontrando alguns profissionais particulares, o fono que resolveu investir na linguagem dos sinais (ASL) e foi um primeiro passo muito importante.

Depois encontrei uma Terapeuta Ocupacional que nos introduziu à Disfunção Sensorial tão presente no Pedro.

Comecei um ABA “caseiro” seguindo o livro da Catherine Maurice e finalmente em setembro de 2006 encontrei minha “musa” Gusty-Lee Bolware, consultora comportamental que eu costumo chamar de biblioteca em forma de pessoa. Ela auxiliou na reformulação do meu plano caseiro, apresentou outras táticas e me convenceu da importância da linguagem não-verbal. Demos então, inicio a verdadeira Intervenção Precoce com tutores e outros especialistas envolvidos. O Pedro completava 3 anos.

Nesse meio tempo minhas preocupações com meu caçula aumentavam. Procurava os profissionais da minha cidade e explicava sobre minhas aflições em relação ao Luís e o que eu ouvia era que ele só estava a imitar o irmão e eu sempre respondia “o Pedro não tem esses comportamentos”.

Guiados pela nossa consultora comportamental, em setembro de 2007, fomos a uma clínica no Oregon, PACE Place e lá fomos apresentados ao RDI. Foi uma experiência marcante, eu tive um encontro com meus próprios medos e passei a entender melhor o Pedro.

Em setembro de 2007 o Luís foi diagnosticado com autismo, já era extremamente evidente e ninguém mais achava que ele só estava a imitar o irmão, ao mesmo tempo descobrimos o óbvio, dito por acaso por um terapeuta, porém era uma informação que não queríamos enxergar, o Pedro era severo, ele é autista clássico.

O Luís tem características Asperger, ele não teve atraso significativo no surgimento da fala, começou a falar, já em frases, com 1 anos e 6 meses, porém ele tinha uma desordem de comunicação, não apontava, não usava gestos, as frases que ele produzia na maioria das vezes não eram com a intenção de se comunicar, o comportamento bizarro, ansiedade, inadequação social eram suas principais características na época do diagnóstico.

Com os dois meninos diagnosticados resolvemos apostar tudo em tratamentos, o Pedro já estava na dieta sem glútem e sem caseína desde dezembro de 2006, então resolvemos “investir” também na área biomédica, iniciamos suplementos com a ajuda de um médico, depois foram injeções de Mb12 e quelação em ambos os meninos.

Foi um tempo muito desgastante porque é difícil administrar tanta terapia, tanta gente, a consultora teve que se afastar por maternidade e eu fiquei só a gerenciar todas as terapias. Em cena entrou uma psicóloga que havia trabalhado no Instituto Loovas na Califórnia, na época da elaboração do livro “A work in progress” e essa virou nossa Bíblia aliados aos conhecimentos de RDI. Em dezembro de 2007 nossa casa era praticamente uma clínica e eu tinha 12 pessoas contratadas entre tutores e especialistas.

Em maio de 2008 fiz o curso intensivo de RDI, no mesmo ano, em agosto retornamos ao PACE Place no Oregon, em seguida iniciamos trabalhos com uma Consultora de RDI.

Também demos inicio a novos protocolos sensoriais que visam o amadurecimento do sistema vestibular. O Pedro usou prismas.

Em paralelo seguiam a dieta e suplementos e cada vez mais incorporávamos a terapia de integração sensorial no dia a dia do Pedro.

A escola de inimiga, passou a ser minha melhor aliada, com informação e persistência as pessoas foram encarando o autismo de outra forma.

Em janeiro de 2009 nós iniciamos o tratamento com a Câmera Hiperbárica de Oxigênio mas foi interrompido pelo diagnóstico de câncer do pai dos meninos e com isso tivemos que reajustar o foco da família.

Foi, então, tomada a decisão de que voltaríamos ao Brasil e como último invetimento em solo Norte-Americano o Pedro fez Tomatis. Daí eu fui estudar ILS (Listening Therapy) e no final do ano de 2009 os dois meninos passaram por essa intervenção.

A mudança de volta ao Brasil aconteceu em janeiro de 2010 com cara de férias.

Por uma decisão um tanto fantasiosa, decidimos morar em Jundiaí acreditando que uma cidade de interior, menor (comparada a capital) seria mais inclusiva, mais acolhedora.

Em Jundiaí a experiência foi catastrófica, o Pedro foi recusado e expulso das escolas regulares e de educação especial. A famosa e tradicional escola “boazinha” Divina Providência é na rua da minha casa e recusou o Pedro em sua sala de educação especial dizendo que não teriam nada para fazer pelo Pedro pois ele não tinha atraso intelectual, mas que ele também não poderia cursar a sala regular.

O Pedro estava matriculado na EMEB e de lá também fomos chamados para uma reunião em que nos informaram que a vaga do Pedro existiria mas que a escola não se responsabilizava por sua integridade física, e quem diria por qualquer forma de aprendizado.

Fui ao Conselho Tutelar que nada fez pelos direitos ou proteção ao Pedro, eu teria que esperar algo acontecer para haver uma averiguação. Nesta minha experiência senti que este órgão é contra os pais, mas não em favor do menor.

Tantas idas e vindas que incluiram uma reunião com o Secretário da Educação Municipal que afirmou que “pessoas que não falam não vale o investimento”, foi chocante e revoltante.

O Pedro, com a ajuda de um Juíz da Vara da Infância e adolescencia, teve seu direito e segurança garantidos na escola municipal, já quanto a inclusão de fato ficaria “ao Deus dará”.


E aqui estamos no 5o ano tentando a escolar municipal com o Pedro, primeiro ano em Jundiaí o Pedro não teve seu direito à escola garantido, agora frequenta a mesma escola há quatro anos, ele tem um assistente de classe que tem muita boa vontade e carinho com o Pedro, depois de todos estes anos na mesma escolar a história dele foi se transformando um pouquinho, os 3 primeiros anos foram muitos difíceis ali, com uma diretoria rígida e com nenhuma vontade de incluí-lo. Foi ignorado pela professora de sala que desconhecia inclusive que ele já sabia ler. O ano acabou, mudou a professora e a diretora e assim uma luz no fim do túnel voltou a brilhar. O Pedro precisa de muitas adaptações, tanto curriculares, quanto comprtamentais-emocionais e eu me questiono se a escola regular é o seu lugar. Acredito que ele seria muito mais feliz e competente numa escola de educação especial que validasse suas necessidades e focasse objetivos que de fato fariam diferença no Pedro, precisamos de escolas boas para todos, sejam elas regulares ou especiais, tradicionais ou liberais, mas de qualidade no ensino e respeito a todas as crianças.

Em meio a essa luta no Brasil para organizar a rotina dos meus filhos percebi a carência de informação em relação ao autismo e fui impulsionada a encontrar meios de propagar o que eu sei, o que estudei e vivenciei.

Em 2010 passei a ser colaboradora da Revista Autismo. Também passei a organizar encontros informais entre familiares de pessoas com autismo.

Em 2011 passamos a “importar” o terapeuta dos meninos dos EUA para seguir com as orientações em relação ao desenvolvimento deles e estratégias para auxiliá-los em vários aspectos, mas o principal no desenvolvimento socio-emocional.

Nesse ano participamos do documentário que a MTV produziu sobre autismo como retratação a um quadro humorístico de mal gosto.

 

 

E do clipe musical:
 

Participamos de outras entrevistas:

 
e vinhetas

 
Em janeiro de 2012 junto com a Tatiana Ksenhuk fundamos o grupo de encontro presencial de apoio a pais e familiares de pessoas com autismo no bairro do Brooklin em São Paulo com encontro mensais, em 2014 nossas atividades passaram a acontecer em Alphaville.

https://www.facebook.com/AmaisAutismo

Eu passei a ir a outros Estados brasileiros como Rio Grande do Sul, Piauí e Minas Gerais para ministrar palestras, além de outras cidades do Estado de São Paulo, incluindo a capital.

Em 2013 fomos convidados a participar do programa “Encontro com Fátima Bernardes”
http://www.umavozparaoautismo.blogspot.com.br/2013/02/programa-fatima-bernardes-270213.html 


E algumas matérias na imprensa escrita.
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1255768-pais-de-criancas-com-autismo-usam-aplicativos-em-tablets-para-estimular-a-comunicacao.shtml 

http://oglobo.globo.com/educacao/pais-de-autistas-vivem-drama-para-manter-filhos-no-ensino-regular-7992770 

E no programa Mulheres:



Em março de 2013, junto com o Gymnasio kids de Valinhos organizamos a vinda do I Seminário AT-EASE® Learning Model no Brasil com duração de 3 dias. Depois disso, vários workshops de 1 dia aconteceram no País.



Em julho de 2014 fui aos EUA, juntamente com a Pamela Spanholeto para sermos voluntárias na clínica PACE Place no Summer Camp para adolescents. A experiência lá nos impulsionou a trazer o formato de Camp ao Brasil adaptando as necessidade e idades.



Em janeiro de 2015, com a parceria Eric Hamblen, Pamela Spanholeto e Marie Dorión com o suporte de uma equipe de voluntarios animados e de mente aberta o projeto Grupo de Brincar e Grupo Social em formato de Camps virou realidade, atendendo 18 famílias nesse formato. A ideia é que os Camps de férias prossigam.

Saber do diagnóstico é só um pedacinho pequeno da jornada, correr atrás de confirmações faz parte da nossa ansiedade e vontade de que tudo seja apenas um engano, mas se uma criança teve qualquer suspeita de transtorno invasivo de desenvolvimento ou qualquer atraso o importante a ser feito é traçar e executar um plano para ajudar essa criança em seu desenvolvimento.

Infelizmente o diagnóstico de autismo não fornece um mapa do que pode ser feito para auxiliar no desenvolvimento da criança, uma avaliação individual é crucial e esta avaliação deve incluir os pontos fortes da criança.

Junto com o diagnóstico vem o sentimento familiar de inadequação e solidão, por isso fazer parte de grupos pode ser mais do que buscar informações, mas sim buscar iguais, encontrar pessoas e famílias que passam por situações parecidas, que podem confortar e dar apoio, mostrar caminhos, ser feliz com as pequenas conquistas, enxugar as lágrimas ou chorar junto nos momentos difíceis, enfim, caminhar de mãos dadas nessa trajetória que ninguém antecipou viver.

Love,
Marie Dorión – mãe do Pedro (set/2003) e Luís (maio/2005) - e-mail: autismo@live.com



"Eu me lembro, sem nenhuma saudade do tempo em que chegava ao fim do dia muito cansada para poder comer e com muita fome para poder dormir" Overcoming Autism, Finding the Answers, Strategies, and Hope That Can Transform a Child's Life. Koegel, L. K. and LaZebnik, C. (2004)New York, NY: Penguin books.

6 comments:

  1. Legal que você tenha compartilhado sua história.

    Cada pessoa é uma pessoa, que vive experiências em lugares e circunstâncias tão diferentes, mas acabamos descobrindo tantas sensações e frustrações semelhantes... O importante é ter a consciência de fazer o que podemos fazer.

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  2. Que pena você ter passado por tudo isso. Em Pouso Alegre temos uma equipe interdisciplinar e trabalhamos com o método TEACCH mas de maneira diferenciada exploramos a linguagem em todas as atividades propostas.Temos o caso filmado de um menino desde os 3 anos até agora ele também não falava nada ele tem deficiência Múltipla autismo mais paralisia cerebral. Atualmente lê tudo é independente nas atividades de vida diária temos tudo arquivado com filmagens para mostrar a outros pais. Atualmente ele está incluído numa escola Estadual e conta com um professor de apoio capacitado em autismo.

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  3. Olá Marie, fiquie muito interessada no método DRI. Onde posso obter mais informação. Alguma literatura? ou curso online que você recomenda? Obrigada

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    1. Olá Fabiana, minha experiência é com o RDI - relational development intervention e não com o DRI que é o floortime. Sobre RDI tem os posts: http://umavozparaoautismo.blogspot.com.br/search/label/RDI

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  4. Ola, moro em Jundiai e nao encontrei nada sobre terapias, ABA, etc. Tem profissionais por favor a indicar. obrigada, Ida
    email: dalli_leite@hotmail.com

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  5. Marie, sigo vc no facebook e sabia que vc é uma excelente profissional. Mas só agora fui ler sua história de vida. É muita emoção né? Assim aguenta coração! Me vi em vários momentos da sua história, mas com algumas diferenças, claro. Uma delas é a questão dos profissionais, pois vc teve o privilegio de encontrar pessoas tão competentes pelo caminho que foram essenciais para a historia dos meninos. Aqui no Brasil ou em qualquer lugar, isso é inviável, pois os custos financeiros são enormes para se conseguir essa gama de profissionais. Meu filho tem uma equipe multidisciplinar, mas não interligadas. Tais profissionais não querem trabalhar juntos, mesmo que seja só por troca de informações, pq isso tomaria mais do tempo deles. Então cada um trabalha na sua e eu faço a intermediação. Com tudo isso, acaba que minha vida é um pingue pongue e eu sou a mãe, a acompanhante terapeutica, a pedagoga, a psicologa etc. Mas estou feliz porque estou tendo boas respostas com ele. O nome do meu filho é Henrique, descobri o autismo dele aos 2,5 e agora ele tem 3anos 10meses e começou a falar com função aos 3.
    Um beijo pra você e nesses meninos lindíssimos!

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